Vidas Secas, Graciliano Ramos
Vidas Secas:
Escrita, narrativa, sintaxe (...) não são objetos de análise neste texto, assumo meu papel de aprendiz e leitor, escrevo na condição de professor de História. Tampouco o objetivo é uma análise histórica de vidas secas, isso é só um rascunho, percepções e quem sabe um estímulo para outros leitores.
Vidas secas, publicado originalmente no ano de de 1938, não por acaso parece cruzar muito com a biografia do autor, Graciliano Ramos. Nascido no sertão pernambucano, ainda criança muda com a família para Alagoas fugindo da seca.
Abandonar, partir e recomeçar é o quinhão da família que acompanhamos em Vidas secas. O romance acompanha a família de Fabiano, sertanejo, bronco, homem de poucas palavras e muitas reflexões sobre o seu lugar no mundo. O protagonista, remete ao sertanejo criado por Gilberto Gil, homem do interior do mato, da caatinga do roçado. Quase não sai, quase não tem amigo, não consegue ficar na cidade sem viver contrariado.
No conflito com o outro, Fabiano ganha espaço na história. Homem bronco que entra numa briga com o soldado amarelo, o herói do filho mais novo, o companheiro de Baleia, a autoridade para o filho mais velho e aquele a ser cuidado por Sinha Vitória. O olhar sobre o outro é um elemento relevante para a história de Graciliano Ramos. Os capítulos desenrolam-se sob várias olhares. O filho mais velho contrariado com o peso de uma palavra tão bonita como inferno ter um significado tão pesado. O mais novo que atrapalha-se em sua valentia inspirada no pai. Sinha Vitória, mulher forte, inconformada por não ter uma cama de gente. A cachorra Baleia, expectadora de tudo, que auxilia a família em seus dessabores e que ao ter seus pensamentos escancarados ao leitor, acaba por humanizar àquelas pessoas, designadas a serem bichos, no meio do sertão.
Graciliano Ramos, preso em Alagoas, em 1936, acusado de ser comunista, transporta para obra algumas inquietações acerca do mundo capitalista. Engana-se o leitor, que a crítica e o sertão estão alheios a exploração, ao contrário, Fabiano questiona o seu lugar no mundo, como trabalhador, que nunca consegue modificar sua realidade. As taxas, os juros, o poder não permite ao vaqueiro uma vida digna, restando-lhes uma vida de retirante, de fuga. Uma fuga não necessariamente do sistema, a preocupação de melhores condições de vida, apontam para o sul, na qual a alienação do trabalho parece ser o destino crucial de milhares de nordestinos.
Impossível falar de Vidas secas, sem falar do sertão. O sertão, protagonista de Guimarães Rosa, o qual quando a gente menos espera, vem, rodeando de todos os lados, aparece aqui como local que molda o sujeito. A força para lidar com a seca, a sabedoria em enfrentar a força da rara chuva, os animais que o habitam, a vegetação cortante, tudo isso compõe as pessoas, as forja na força, os tornam humanos.
A obra retrata um período da vida de Fabiano, as perspectivas de futuro ficam a cargo do leitor, porém tudo indica para um tempo cíclico, encontrar nova terra, trabalhar de sol a sol, ser explorado, tentar garantir a sobrevivência, vindo a seca, retirar-se ...
O destino sertanejo, brilhantemente contado em Abril Despedaçado (Walter Sales, 2002), com uma tendência a repetição, também ganha corpo no arco narrativo. Nesse ponto, Vidas secas, ganha importância para os dias de hoje. Em um ano, como o de 2019, no qual um turbilhão de notícias e perdas de direitos nos atropelam todos os dias, Fabiano e suas inquietações ganham voz. Por que essa vida miserável? Por que tem gente que é tratada feito bicho? Por que o sertão é sempre o lugar da exploração e esquecimento? Nesse ano, de tanta pertubação emocional causada pelos poderosos, o refujo vem da literatura, das inquietações de Fabiano, da fidelidade de Baleia, da admiração do filho mais novo, da inteligência de Sinha Vitória e da inquietação do filho mais velho. O soldado amarelo não entende que seu poder é pequeno frente a toda exploração que o rodeia, não sejamos o soldado amarelo.
Referência: RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 141ªed. Rio de Janeiro, Record, 2019. 174 páginas.
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